30 de maio de 2010

   02 - O estranho maravilhoso

    — Você está bem? — perguntou a minha irmã se aproximando.
Todos olhavam para mim, como se a música tivesse parado de tocar. O garoto que eu havia derrubado me xingava de todos os nomes possíveis.
— Sim — disse eu, um pouco zonza.
Elle me ajudou a levantar.
O estranho maravilhoso se aproximava com um olhar curioso.
Senti as minhas pernas bambearem, sinal de que eu iria cair novamente. Então me segurei em Nalin.
— Hum. Eu... eu vou tomar um banheiro! Quero dizer, vou ao banheiro tomar água. É... vou ao banheiro. Adeus.
Saí praticamente correndo dali, crente que todos estavam gargalhando do meu King Kong.    
— O que foi aquilo? — perguntou Nalin quando chegamos ao banheiro.
Eu ajeitei meu cabelo, que estava todo bagunçado por conta do tombo que eu havia levado.
— O que deu em você? — insistiu ela, quando eu não respondi.
— Nada. Eu só vi a minha irmã agarrando um cara lindo de morrer e caí. O que ela tem que eu não tenho? — perguntei emburrada.
— Cabelos louros, olhos verdes...? — sugeriu Nalin em tom de brincadeira. — Estou brincando — disse ela, ao ver o meu olhar matador. — Aquele é o Ben, namorado dela e amigo de Kellan.
— Para tudo! Ela está namorando e eu não sabia? — indaguei quase perplexa.
— Ué, pensei que soubesse. Acho que o relacionamento dos dois é bastante sério, penso que logo ela vai apresentá-lo aos seus pais.
— Puxa vida! A minha irmã é uma traidora. Por que ela não me contou? — reclamei.
— Bom, nós duas sabemos que ela não é nenhuma santa — comentou a minha amiga. — Sem ofensas, claro. E tem pessoas que acham que tudo que escondido é mais gostoso.
Olhei para o espelho. Ali estava a minha imagem, então me comparei com a minha irmã.
Repentinamente toda a cena de ela beijando o Ben começou a passar em minha mente como se eu estivesse vendo um filme.
Fiz cara de choro.
Ele era lindo demais para ela.
— Acalme-se, você nem o conhece — Nalin-quase-salvadora-da-pátria me lembrou. — Não que eu esteja dizendo para você roubá-lo de sua irmã, mas...
— Está bem, eu entendi. Embora não ache possível, já que eu pareço uma anta que só faz coisas erradas — reclamei. — Está vendo? “Samantha, a anta”, acho que a minha mãe estava prevendo o meu futuro quando me deu esse nome.
A minha amiga gargalhou.
— Não diga bobagens.
— Talvez se eu fizesse uma lipoaspiração — sugeri, apertando a minha barriga. — Puxasse aqui e aqui...
Puxei os meus olhos, ficando parecida com uma oriental.
— Pode ir parando! Você está parecendo a minha mãe! — interrompeu Nalin.
— Oh Nalin, eu sou uma aberração da natureza! Uma vergonha estúpida! Um rascunho de beleza mal-feito! 
Elle entrou naquele momento dizendo:
— Aquele garoto que você derrubou estava com um refrigerante na mão. Ah coitado! Agora está ensopado e melecado. Está vendo Sam? Hoje não é só seu dia de azar — comentou ela, gargalhando. — Mas em todo caso, se eu fosse você não apareceria por lá tão cedo, ele é capaz de estrangulá-la.
As minhas duas amigas começaram a rir e conversar alto, ignorando completamente a minha situação.


Levei quase dois anos para sair de lá. Tudo bem, não foram exatamente dois anos, mas eu demorei, pois, dessa forma quem sabe as pessoas não se esqueciam quem eu era e o que eu havia feito.
Mas infelizmente não esqueceram!
Quando eu pus o pé para fora do banheiro, as pessoas me olhavam, cochichavam e às vezes riam, como se eu fosse uma criminosa. Logo eu que morro de medo de barata e de formiga cabeçuda.
Bem, pelo menos não foi totalmente péssimo ver aquelas pessoas novamente, pelo menos Marina não estava agarrando o Ben bonitão.
Não tenho nada mais a dizer sobre a minha terrível noite. Talvez eu deva apenas comentar por alto que Nalin e Elle tentaram de tudo para me animar, até me obrigaram a dançar, mas fora em vão, eu estava totalmente travada de vergonha. Oh céus, que culpa eu tenho de ser tímida?
Eu estava com medo de “soltar a franga” novamente e levar outro — se não o mesmo — garoto junto. Por isso, fiquei na maior parte com cara de tonta e sentada.
A minha segunda melhor amiga ficou quase o tempo todo ao meu lado, porque Nalin é alegre demais para ficar sentada de braços cruzados. Em outras palavras, ela se jogou quase literalmente na pista de dança improvisada na casa de Daniel Hoffman.
Felizmente a noite pareceu passar rápido, apesar de eu estar completamente entediada.
Logo estávamos em frente à casa de meu pai, que teve que carregar Marina no colo até seu quarto, porque ela estava no sétimo sono. É... Agarrar demais o Ben deve cansar.
Depois, meu pai me desejou bons sonhos, mesmo estando careca de saber que eu não tenho costume de sonhar a noite.
Custei a dormir, porque, sinceramente, estava mais acordada do que nunca. Pensava em Ben, no meu King Kong, na música “Set me free”, entre outras coisas que é impossível descrever em poucas palavras.
Enfim, adormeci quando eram três horas da manhã... 

— Bom dia flor do dia — disse meu pai, quando eu apareci de manhã na cozinha, coçando os olhos como uma criança. — Ah, bom dia luz do dia.
Marina apareceu sorridente atrás de mim, enchendo meu pai de beijos.
— Acabei de fazer panquecas de banana.
Disse Hector sorrindo e nos servindo as tais panquecas.
Repentinamente começou a cantar a tão conhecida canção de Jack Johnson:
Talvez a gente pudesse dormir mais, fazer panquecas de banana, fazer de conta que é fim de semana. Nós podíamos fingir isso o tempo todo.*
Lembro-me bem de quando eu era criança, desde aquela época meu pai escutava essa música. E pior: ele a escutava enquanto cozinhava. Com isso, eu fui gostando dela cada vez mais.
— O aniversário de alguém está chegando — disse ele, olhando no calendário da cozinha.
Eu sabia que ele estava se referindo ao meu aniversário de dezessete anos que se aproximava.
Marina soltou um grito me assustando:
— Vai ficar mais velha!
— Menos Marina! Não precisa me lembrar desse detalhe...
— Eu não entendo por que as pessoas não gostam de fazer aniversário. Qual é o problema? Ficar mais velha é sinônimo de adquirir mais experiências.
— Eu concordo com você — avisei. — Fazer aniversário é uma delícia, mas não quero completar dezoito anos. Não sou fã dessa idade.
Não sei por que não consigo gostar da ideia de fazer dezoito anos no ano seguinte. Sei que nessa idade a responsabilidade é bem maior, porque tudo o que você faz, você realmente paga. Mas talvez eu apenas não queira desgrudar da barra da saia de minha mãe.
__________________
* música "Banana Pancakes" de Jack Johnson.
Meu pai e minha irmã continuaram tagarelando, enquanto eu viajava em meu mundo encantado. Isso sempre foi uma qualidade minha e ao mesmo tempo, um defeito. Porque se você sonha demais, você se decepciona demais. Bom, isso é apenas a minha opinião.
Imaginei príncipes e caras perfeitos, porque eu amava Contos de Fada. Imaginei cavalos brancos e castelos. Reis e rainhas se amavam e eram felizes. Crianças não eram esfaqueadas como se fossem um pedaço de carne. A minha alegre fantasia era, às vezes, melhor do que a minha triste realidade.
Mas voltando ao que realmente interessa, comi silenciosamente até acabar.
— Já terminou? — perguntou meu pai, quando viu que o meu prato estava vazio.
— Sim — respondi-lhe, levantando logo em seguida.
Coloquei o prato e os talheres na pia, e lavei-os, já que a empregada doméstica estava de folga.
— Pai, a internet está funcionando? — perguntei, enquanto enxaguava.
— Sim — respondeu ele.
— Então, eu posso usar o computador? — pedi.
A Internet era a minha terceira casa, porque a primeira era a de minha mãe e a segunda era a de meu pai.
— Claro. Só não fique usando por muito tempo.
Ele sorriu.
Enxuguei os talheres e o prato, guardando-os em seus devidos lugares, então caminhei em direção ao escritório.
O lugar onde se encontrava o computador era bem moderninho. Mesa de vidro, estantes chiques, poltrona confortável, ar condicionado, e vários diplomas na parede. Bem, meu pai era um homem que algumas pessoas costumam chamar de “estudado”.
Liguei-o. E logo após o MSN fez login automaticamente no e-mail de Marina.
— Não — disse eu, tentando cancelar.
Mas nada adiantou e os programas começaram a travar, deixando a tela branca por alguns segundos.
— Droga.
Passaram se poucos segundos, mas para mim fora uma eternidade.
— Pronto, destravou!
Fui clicar em “sair”, para sair do MSN de Marina, mas alguém a chamou, obviamente pensando que era a minha irmã que estava por trás da tela do computador:
Ben: Marina!
Espere, o que meus olhos estão vendo? É o namorado maravilhoso de minha irmã. Ai meu Deus!
O que fazer naquela hora? Ignorar? Fingir ser a minha irmã? Ou falar a verdade?
“Marina”: Não é a Marina. É a Sam.
Ben: Sam? Quem é Sam?
É tão chato quando uma pessoa não sabe quem é você. Você fica se sentindo um lixo completo. Ainda mais quando essa pessoa que não te conhece é aquele cara lindo de morrer que namora a sua irmã.
“Marina”: Irmã de Marina.
Ben: Ah, desculpe-me.
“Marina”: Não tem problema, o MSN fez login automaticamente, eu já estou saindo...
Afinal, por que eu estava dando satisfação para alguém que nem sabia quem eu era?
Ben: Então eu nem vou poder conversar com a minha cunhada?
Cunhada? Não suporto que me chamem de "cunhada" ou de "tia" porque eu me sinto como uma velha de noventa anos.
“Marina”: Ah, a Marina não iria gostar de me ver usando o e-mail dela.
Ben: Então me passe o seu e-mail, por favor?
“Marina”: sam-jonest@hotmail.co.uk
Ele agradeceu.
Logo em seguida sai do MSN de minha irmã e entrei no meu.
E assim que fiz login apareceu que “benowen@hotmail.co.uk” havia me adicionado, então eu aceitei, é claro.
Ben: Pronto?
Sam: Sim.
Ben: Então você é irmã da minha namorada?
Sam: Pois é.
Ben: Ela vive falando de você, mas nem sempre diz o seu nome, por isso que eu não sabia.
Sam: Bem ou mal?
Soltei o velho e não muito bom clichê, que para mim significa que você não tem nada a dizer sobre aquele assunto. Mas, por que todas as pessoas têm que perguntar isso? Será que elas são tão desinteressadas a ponto de não ter outra coisa melhor para falar?
Ben: Bem, um pouco de cada.
Arregalei os olhos quando li o que ele havia escrito, e imediatamente já comecei a pensar em como mataria a minha irmã.
Ben: Haha, eu estou brincando. Ela fala muito bem de você.
Sam: Ah, você não está dizendo isso apenas para salvar a pele de Marina, está?
Ben: Você é tão violenta assim?
Sam: Que nada, sou covarde.
Ben: Eu nunca te vi.
Sam: Eu também nunca te vi.
Menti. E provavelmente iria me sentir culpada por isso.
Ben: Eu estou tentando imaginar como você é, mas não estou tendo sucesso.
Sam: Fácil. Eu sou o oposto de Marina.
Ben: Ah, não acho que você seja feia.
Pronto, meu dia havia se tornado horrível. Eu sabia que não podia esperar nada de uma pessoa. Porém, fui burra demais, e achei Benjamin um cara fantástico sem ao menos conhecê-lo.
Qual era o problema do mundo? Marina era uma espécie de colírio para todos os homens da Terra?
Sam: Bem, eu não me lembro de ter dito que era feia.
Ben: Ah, eu sei que não disse. Desculpe-me se eu lhe ofendi, é porque a sua irmã é linda.
Sam: Sei bem o quanto ela é bonita.
Ben: Desculpe-me, por favor. Eu realmente não queria magoá-la.
Sam: Tudo bem.
Tradução de “tudo bem”: Claro que não seu idiota! 

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